Jorge concordou. Passeava pela sala fumando; e disse que gozava tanto a coroa, como se tivesse direito a usá-la....
E Ernestinho voltando-se logo para ele:
- Sabes que lhe perdoei, primo Jorge? Perdoei à esposa...
- Como Cristo...
- Como Cristo - confirmou Ernestinho, com satisfação.
D. Felicidade aprovou logo:
- Fez muito bem! Até é mais moral!
- O Jorge é que queria que eu desse cabo dela - disse Ernestinho, rindo tolamente. - Não se lembra naquela noite...
- Sim, sim - fez Jorge, rindo também, nervosamente.
[Jorge sente-se transtornado, Sebastião desculpa-o dizendo que está adoentado.]
Ernestinho que não se podia demorar, ofereceu logo ao Conselheiro e a Julião - “a sua carruagem, que era uma caleche, se iam para a Baixa...”
- Que honra - exclamou Julião olhando Acácio - irmos na tipóia do Grande Homem!
E enquanto D. Felicidade se agasalhava, os três desceram.
No meio da escada Julião parou, e cruzando os braços:
- Ora aqui vou eu entre os representantes dos dois grandes movimentos de Portugal desde 1820. A Literatura - e cumprimentou Ernestinho - e o Constitucionalismo - e curvou-se para o Conselheiro.
Os dois riram, lisonjeados.
- E o amigo Zuzarte?
- Eu? - E baixando a voz: - Até há dias um revolucionário terrível. Mas agora...
- O quê?
- Um amigo da Ordem - gritou com júbilo.
E desceram, contentes de si e do seu país, para se meterem na tipóia do Grande Homem! (403-404)
Contexto Interno
Contexto Interno
O drama romântico de Ernestinho Ledesma estreia-se e é um sucesso. Luísa, convalescente, e Jorge, atormentado pelos ciúmes, recebem os amigos, como habitualmente, Domingo à noite.
Contexto Referencial
Contexto Referencial
O Constitucionalismo foi implantado em Portugal com a revolução liberal de 1820. A Carta constitucional de 1826 regulou o funcionamento da vida política desde 1842 a 1910. Neste período inscreve-se a Regeneração que numa primeira fase se caracteriza pela paz e pelo desenvolvimento económico e cultural para depois passar a ser dominada por um certo imobilismo ideológico e literário e uma certa estagnação económico-finaceira.
"Caleche" - carro aberto, com capota, puxado a cavalos. Em português caleça.
Perspectivas
Atmosfera Romântica
Atmosfera Romântica
A obra “Honra e Paixão” teve sucesso porque os espectadores ainda admiravam a mentalidade romântica no que ela tinha de sentimentalismo exacerbado, tão desajustado da realidade.
Indícios/símbolos
Indícios/símbolos
A Ernestinho e ao Conselheiro Acácio é-lhes atribuída aqui uma dimensão simbólica, que eles já vinham tendo ao longo do romance, mas que agora Julião explicita: eles simbolizam respectivamente a literatura romântica e a política constitucional dominantes (Saraiva, 1982).
Decadência
Decadência
Os amigos e os espectadores, romanticamente decadentes, vibram com a peça romântica de Ernestinho, de onde emana uma sentimentalidade cheia de lugares comuns. Verifica-se ainda uma certa confusão nos valores morais manifestada por D. Felicidade ao mencionar que até é “mais moral” perdoar à adúltera. Também nesta passagem o médico Julião Zuzarte, até então contestatário em relação à situação política, decai ao conformar-se com essa mesma situação.
Ordem/desordem
Ordem/desordem
No drama o marido perdoa à adúltera, restabelecendo a ordem, mas Jorge ainda não conseguira perdoar à esposa. No seu casamento ainda dominava a desordem.
Intertextualidade
Intertextualidade
O drama "Honra e Paixão" é uma "mise en abyme" que tem uma função de antecipação e reforço em relação à intriga central. O drama antecipara os amores de Luísa e Basílio e, agora, antecipa o perdão de Jorge a Luísa.
Ironia
Ironia
A ironia está presente na expressão “Grande Homem”, sobretudo porque ela é usada por Julião que é um espírito crítico, para designar aquele a que todos chamam pelo diminutivo de Ernestinho. A confirmar a ironia está o facto de também o narrador usar a expressão "Grande Homem", para se referir ao autor de um tipo de literatura romântica por ele criticada.