E Sebastião imóvel, seguindo-a devotamente com os olhos:
- Se aquilo não respira mesmo honestidade! Vai às lojas... Santa rapariga! (...)
Ia, enfim, ter ela própria aquela aventura que lera tantas vezes nos romances amorosos! Era uma forma nova do amor que ia experimentar, sensações excepcionais! Havia tudo - a casinha misteriosa, o segredo ilegítimo, todas as palpitações do perigo! Porque o aparato impressionava-a, atraía-a mais que Basílio! Como seria? (...) Desejaria antes que fosse no campo, numa quinta, com arvoredos murmurosos e relvas fofas; (...) Mas era um terceiro andar, - quem sabe como seria dentro? Lembrava-lhe um romance de Paulo Féval em que o herói, poeta e duque, forra de cetins e tapeçarias o interior de uma choça; (...) Conhecia o gosto de Basílio, e o Paraíso decerto era como no romance de Paulo Féval.. (...)
A carruagem parou ao pé de uma casa amarelada, com uma portinha pequena. Logo à entrada um cheiro mole e salobro enojou-a. A escada, de degraus gastos, subia ingrememente, apertada entre paredes onde a cal caía, e a humidade fizera nódoas. No patamar da sobreloja, uma janela com um gradeadozinho de arame, parda do pó acumulado, coberta de teias de aranha, coava a luz suja do saguão. E por trás de uma portinha, ao lado, sentia-se o ranger de um berço, o chorar doloroso de uma criança. (186-188)
Contexto interno
Contexto interno
Luísa recebera um bilhete escrito a lápis informando-a do Paraíso “um ninho discreto” (p. 181) onde os amantes passarão a encontrar-se.
Contexto referencial
Contexto referencial
Paul-Henri Féval (1817-1887) romancista e dramaturgo francês, muito em voga na época através do romance em folhetins, tendo alcançado a popularidade com "Les Amours de Paris".
Perspectivas
Atmosfera romântica
Atmosfera romântica
Novamente a referência aos romances românticos e à sua influência perniciosa, ao convidar à fuga à realidade, camuflando-a sob o manto da fantasia. Luísa que lera a obra de Paulo Féval, tenta ansiosa adivinhar o interior do seu terceiro andar, idealizando-o em função das suas leituras.
Indícios/símbolos
Indícios/símbolos
Basílio ao designar o local dos encontros por Paraíso induziu Luísa a sonhar com um espaço romântico e idílico. Paraíso indicia algo divino, puro e belo, mas, o lugar revela-se imundo e degradado indiciando por seu turno a decadência de Luísa. Esta ideia é reforçada pelas escadas íngremes e sórdidas símbolo da vertigem e da queda de Luísa (Petit, 1987; Lima, 1996).
Decadência
Decadência
A decadência moral de Luísa confunde-se com a própria decadência presente no espaço físico do Paraíso, que é reforçada por sinestesias desagradáveis.
Aparência/realidade
Aparência/realidade
Para Sebastião, Luísa era, em aparência, uma mulher honesta, mas, na realidade, ela é a adúltera que procura as “palpitações do perigo”.
Luísa sentia-se excitada pela ideia de ir ao ninho amoroso, por ela idealizado, contudo a realidade com que depara vai deixá-la decepcionada.
Intertextualidade
Intertextualidade
A intertextualidade manifesta-se pela referência à obra de Paulo Féval e a implícita referência a outros romances que fazem com que Luísa idealize o Paraíso, que o mesmo é dizer o adultério.
Ironia
Ironia
A ironia manifesta-se na oposição entre o que Sebastião pensa de Luísa, “santa rapariga”, e a aventura adúltera que vai finalmente ter, como desejava. Também resulta ironia da antinomia entre a idealização do Paraíso por Luísa e a realidade degradante com que depara. A própria designação de Paraíso para o ninho de amor é irónica.
Romance de Tese
Romance de Tese
O narrador procura pôr perante o leitor as motivações do comportamento adúltero de Luísa: ser uma heroína romântica, idêntica às que conhecia da leitura dos romances românticos; Basílio é ao fim e ao cabo o que menos a interessa: "o aparato impressionava-a, atraía-a mais que Basílio", como ela própria admite.