[Ernestinho lê um extracto da peça que escreveu e que está a ensaiar.]
Agatha! ... É a mulher; isto aqui é a cena com o marido, o marido já sabe tudo ...
AGATHA (caindo de joelhos aos pés de Júlio)
"Mas mata-me! Mata-me por piedade! Antes a morte, que ver, com esses desprezos, o coração rasgado fibra a fibra".
JÚLIO
"E não me rasgaste tu também o coração? Tiveste tu piedade? Não. Retalhaste-mo! Meu Deus, eu que a julgava pura, nessas horas em que arrebatados ..."
O reposteiro franziu-se. Sentiu-se um fino tilintar de chávenas. Era Juliana, de avental branco, com o chá.
- Que pena! - exclamou Luísa. - Depois do chá se lê.
[O empresário quer que o marido perdoe à adúltera. Todos se admiram. O Conselheiro] com uma voz persuasiva:
- Dá mais alegria à peça, sr. Ledesma. O espectador sai mais aliviado! Deixe sair o espectador aliviado!
- Mais um bolinho , Conselheiro?
- Estou repleto, minha prezada senhora.
E, então, invocou a opinião de Jorge. Não lhe parecia que o bom Ernesto devia perdoar?
- Eu Conselheiro? De modo nenhum. Sou pela morte. Sou inteiramente pela morte! E exijo que a mates, Ernestinho! (46-47)
Contexto interno
Contexto interno
Ernesto Ledesma é primo de Jorge. Trabalha na Alfândega e escreve para o teatro por "paixão entranhada pela Arte" (p. 44). Estava a ser ensaiado o seu drama romântico em cinco actos: Honra e Paixão. Ernestinho, diminutivo que se harmoniza com o seu aspecto franzino e delambido, vive com uma "actrizita do Ginásio, uma magra, cor de melão, com o cabelo muito riçado, o ar tísico" (p.43).
Luísa e Jorge recebem os amigos domingo à noite, servindo-lhes um chá com torradas e bolinhos. Os amigos que frequentam a casa são bastante mais velhos que Luísa: D. Felicidade, anafada, amiga da mãe de Luísa, com uma paixão não correspondida pelo Conselheiro; o conselheiro Acácio, funcionário do estado, reformado, amigo do pai de Jorge, cheio de mesuras gestuais e linguísticas; Ernestinho Ledesma, primo de Jorge, trabalha na Alfândega e escreve por paixão; Julião Zurara, primo de Jorge, médico de formação positivista e pobre; e o bom Sebastião, amigo de infância de Jorge, íntimo da casa.
Perspectivas
Atmosfera romântica
Atmosfera romântica
Honra e Paixão tem os ingredientes habituais do drama romântico: amor ilícito, ruínas acasteladas e morte. Na altura em que o marido traído descobre a verdade, a troca de palavras entre o casal recorre ao sentimentalismo exagerado, típico do gosto de um romantismo em fase terminal.
Indícios/símbolos
Indícios/símbolos
Jorge ao pretender a morte para a adúltera revela-se implacável face ao adultério, induzindo os presentes a preverem a sua atitude face a uma situação idêntica.
Decadência
Decadência
O drama apresenta a decadência moral: o adultério. Embora os amigos de Jorge e Luísa tenham reagido negativamente em relação à proposta de perdão do empresário, acabam por aceitá-la por razões de sucesso junto do público. Esta mudança de atitude contribui para caracterizar a degradação de costumes, pela permissividade e pelo relaxamento em relação aos valores estabelecidos.
Aparência/realidade
Aparência/realidade
Jorge mostra-se muito exigente perante o drama de ficção defendendo a punição máxima para a adúltera: a morte; na vida real não conseguirá manter esse rigor.
Ordem/Desordem
Ordem/Desordem
Em Honra e Paixão os amantes desafiaram os valores morais e a morte surge como possível reposição do equilíbrio social. Na casa de Jorge e de Luísa, o ambiente caracteriza-se pela defesa dos valores sociais e morais estabelecidos e por uma existência calma e rotineira; a ordem da casa de Luísa é incompatível com o adultério e mortes violentas.
Intertextualidade
Intertextualidade
O drama Honra e Paixão é uma "mise en abyme" que vai antecipar os amores adúlteros de Luísa e Basílio, postulando com eles uma relação de contiguidade. As duas histórias vão ser apresentadas alternadamente.(v. Tema: Intertextualidade).
Romance de tese
Romance de tese
A descrição do convívio de domingo à noite permite a caracterização do espaço social burguês e o debate em torno do drama “Honra e Paixão” propicia a crítica à literatura romântica.