Servia, havia vinte anos. Como ela dizia, mudava de amos, mas não mudava de sorte. Vinte anos a dormir em cacifros, a levantar de madrugada, a comer os restos, a vestir trapos velhos, a sofrer os repelões das crianças e as más palavras das senhoras, a fazer despejos, a ir para o hospital quando vinha a doença, a esfalfar-se quando voltava a saúde!... Era de mais! Tinha agora dias em que só de ver o balde das águas sujas e o ferro de engomar se lhe embrulhava o estômago. Nunca se acostumara a servir. Desde rapariga a sua ambição fora ter um negociozito, uma tabacaria, uma loja de capelistas ou de quinquilharias, dispor, governar, ser patroa: mas, apesar de economias mesquinhas e de cálculos sôfregos, o mais que conseguira juntar foram sete moedas ao fim de anos: tinha então adoecido; com o horror do hospital fora tratar-se para casa de uma parenta; e o dinheiro, ai! derretera-se! No dia em que se trocou a última libra, chorou horas com a cabeça debaixo da roupa.
Ficou sempre adoentada desde então, perdeu toda a esperança de se estabelecer. Teria de servir até ser velha, sempre, de amo em amo! Essa certeza dava-lhe uma desconsolação constante. Começou a azedar-se. (76)
Contexto interno
Contexto interno
Juliana Couceiro ficara ao serviço de Luísa e Jorge como forma de agradecimento pelos cuidados zelosos com que tratara da tia rica de Jorge. Juliana sempre contara receber uma boa maquia na hora da morte da senhora, mas nem fora mencionada no testamento!
Sempre ganhara a antipatia das outras criadas e, por isso, tinha alcunhas como “isca seca”, “fava torrada”, “saca rolhas”. Ela é invejosa, muito curiosa, gulosa e feia; reage colericamente aos ralhos e é constantemente despedida. Alertada pela tia Vitória para a necessidade de ganhar o "pão", passa a dominar-se. "Mas roía-se por dentro: veio-lhe a inquietação nervosa dos músculos da face, o tic de franzir o nariz: a pele esverdeou-se-lhe de bílis" (77-78).
Ao serviço de Luísa, queixa-se frequentemente e um desentendimento entre elas manifesta-se desde o início: a patroa acha-a fúnebre e Juliana detesta a “piorrinha”.
Perspectivas
Indício/símbolos
Indício/símbolos
Gastas as suas parcas economias, Juliana quase perde a ambição de se estabelecer mas a sua curiosidade mantê-la-á atenta a todas as oportunidades para arranjar dinheiro.
Decadência
Decadência
O quotidiano de Juliana representa a vida do pessoal doméstico, os maus tratos que recebiam e o trabalho duro que faziam. Juliana, de temperamento progressivamente marcado pela irritabilidade e pelo azedume, vai-se degenerando fisica e psicologicamente (Reis, 1984).
Aparência/realidade
Aparência/realidade
O sonho de Juliana de manter um negócio inviabiliza-se e dá lugar ao desencanto amargo da vida quotidiana.
Romance de tese
Romance de tese
Juliana é uma personagem detalhadamente caracterizada pelo narrador que nos fornece pormenores da sua vida passada e familiar, da sua degradação psico-somática, das condições da sua vida presente, para o leitor poder compreender o seu desempenho de agora em diante.