Luísa olhava, calada. A multidão crescera. (...) Toda a burguesia domingueira viera amontoar-se na rua do meio, no corredor formado pelas filas cerradas das cadeiras do asilo: e ali se movia entalada, com a lentidão espessa de uma massa mal derretida, arrastando os pés, raspando o macadam, num amarfanhamento plebeu, a garganta seca, os braços moles, a palavra rara. Iam, vinham, incessantemente, para cima e para baixo, com um bamboleamento relaxado e um rumor grosso, sem alegria e sem bonomia, no arrebatamento passivo que agrada às raças mandrionas: no meio da abundância das luzes e das festividades da música, um tédio morno circulava, penetrava como uma névoa: a poeirada fina envolvia as figuras, dava-lhes um tom neutro; e nos rostos que passavam sob os candeeiros, nas zonas mais directas de luz, viam-se desconsolações de fadiga e aborrecimentos de dia santo. (...)
D. Felicidade propôs uma volta. Levantaram-se, foram rompendo devagar; as filas das cadeiras apertavam-se compactamente, e uma infinidade de faces a que a luz do gás dava o mesmo tom amarelado olhavam de um modo fixo e cansado, num abatimento de pasmaceira. (94-95)
Contexto Interno
Contexto Interno
Basílio combinara com Luísa encontrarem-se Domingo à noite no Passeio Público. Luísa convidou D. Felicidade para a acompanhar e assim o encontro pareceu casual.
Também fora no Passeio Público que Jorge conhecera Luísa e é lá que a criada Juliana gosta de mostrar o seu elegante pé.
Contexto Referencial
Contexto Referencial
O Passeio Público era um jardim gradeado situado na Baixa de Lisboa, onde hoje se situa os Restauradores, com frondosas árvores, taças de água, esculturas, bancos de jardim, coretos, cadeiras alugadas para fins caritativos, onde a burguesia lisboeta se passeava, se refrescava nas noites de Verão e se mostrava.
Perspectivas
Tédio
Tédio
A multidão arrastava-se sem determinação e sem vontade. O tédio dominante que ia penetrando a multidão impede a alegria que seria normal num espaço de diversão.
Indícios/símbolos
Indícios/símbolos
A apatia dominante no Passeio Público como na vida de Luísa indicia quanto qualquer novidade poderá captar a atenção dela. O Passeio Público, onde domina o tédio, a apatia, a degradação da raça portuguesa, é símbolo do próprio Portugal.
Decadência
Decadência
O Passeio Público era um local de lazer e diversão, todavia, deparamos com uma burguesia tristonha amontoada, a deslocar-se "com a lentidão espessa de uma massa mal derretida". A raça portuguesa afigura-se com o aspecto das raças "mandrionas", degeneradas, sem vitalidade.
Aparência/Realidade
Aparência/Realidade
D. Felicidade acompanha Luísa ao Passeio Público para se manterem as aparências. O Passeio Público, aparentemente é um espaço de diversão ("abundância de luzes", "festividades de musica"), na realidade é um espaço entediante
Romance de Tese
Romance de Tese
Caracterização do espaço social envolvente que não apresenta nenhum estímulo para a existência de Luísa; muito pelo contrário, também ele surge como o seu espaço familiar e o seu quotidiano, dominado pelo tédio. A caracterização do espaço social colectivo é fundamental no romance de tese realista-naturalista, que pretende ser também o documento de uma época.