Mas no dia seguinte, muito habilmente, Basílio não falou no passeio, nem no campo. Não falou também do seu amor, nem dos seus desejos. Parecia muito alegre, muito superficial; tinha-lhe trazido o romance de Belot, A mulher de fogo. E sentando-se ao piano, disse-lhe canções de café-concerto, muito picantes; imitava a rouquidão acre e canalha das cantoras; fê-la rir.
Depois falou muito de Paris, contou-lhe a moderna crónica amorosa, anedotas, paixões chics. Tudo se passava com duquesas, princesas, de um modo dramático e sensibilizador, às vezes jovial, sempre cheio de delícias. E, de todas as mulheres de que falava, dizia recostando-se: Era uma mulher distintíssima, tinha naturalmente o seu amante...
O adultério aparecia assim um dever aristocrático. De resto a virtude parecia ser, pelo que ele contava, o defeito de um espírito pequeno, ou a ocupação reles de um temperamento burguês. (126)
Contexto interno
Contexto interno
Basílio, conquistador experiente, na véspera convidara Luísa a ir até ao campo, no dia seguinte, porém, não menciona o assunto. Além disso, traz-lhe A Mulher de Fogo, romance de Belot, que no Passeio Público considerara “talvez um pouco picante; não to aconselho!” (92).
Contexto referencial
Contexto referencial
Adolphe Belot, (1829-1890), romancista e dramaturgo naturalista francês, autor de romances sentimentais tidos por imorais e pouco edificantes.
Perspectivas
Tédio
Tédio
Luísa preenche a sua ociosidade com a ociosidade do primo (Serrão, 1962). Os dois distraiem-se e Luísa diverte-se com as novidades parisienses que Basílio lhe conta.
Indícios/Símbolos
Indícios/Símbolos
A cultura francesa tinha nessa época muito prestígio; ela simbolizava o “chic” da civilização. Basílio, recém chegado de Paris, evidencia essa cultura através da referência ao ambiente aristocrático parisiense que supostamente frequenta e à obra de Belot. Dessa cultura, valoriza o que ela tem de mais fútil e decadente, mas de uma forma fascinante aos olhos de Luísa.
O romance, A Mulher de Fogo, que Basílio empresta a Luísa é indício da teia de sedução que ele já está urdindo.
Decadência
Decadência
Basílio, sabendo como a burguesia se deslumbra perante a aristocracia, conta a Luísa a crónica amorosa decadente das damas aristocráticas de Paris, apresentando o adultério como "chic".
Aparência/realidade
Aparência/realidade
Basílio é um hábil conquistador, um marialva (Machado, 1981), sabendo, portanto, simular um pontual desinvestimento erótico em relação à prima, mas lançando realmente novas achas na fogueira.
Ordem/desordem
Ordem/desordem
A sociedade francesa, de costumes depravados, é apresentada por Basílio como um modelo a seguir. Esta seria uma nova ordem (desordem) a contrapor à ordem de valores de Luísa.
Romance de tese
Romance de tese
O narrador, servindo-se de um discurso moralizante abstracto (último parágrafo) e da descrição irónica dos argumentos do sedutor Basílio, alerta o leitor para o facto de ele pretender convencer a prima, presa fácil, por não ter tido uma educação moral sólida, das delícias e vulgaridade do adultério.