Estavam parados ao pé da confeitaria. Na vidraça, por trás deles (...) Velhas natas lívidas amolentavam-se no oco dos folhados; ladrilhos grossos de marmelada esbeiçavam-se ao calor, as empadinhas de marisco aglomeravam as suas crostas ressequidas. E no centro, (...) enroscava-se uma lampreia de ovos medonha e bojuda, (...) a boca escancarada: na sua cabeça grossa esbulhavam-se dois horríveis olhos de chocolate; e os dentes de amêndoa ferravam-se numa tangerina de chila; e em torno do monstro espapado moscas esvoaçavam. [Sebastião conta a Julião que Basílio namorara com Luísa e agora visita-a frequentemente.]
-Mas isso é o enredo da Eugénia Grandet, Sebastião! Estás-me a contar o romance de Balzac! isso é a Eugénia Grandet ! (...)
[Julião] Riu-se. Estava radioso; as palavras, as pilhérias vinham-lhe com abundância:
- Há um marido que a veste, que a calça, que a alimenta, que a engoma, que a vela se está doente, que a atura se ela está nervosa, que tem todos os encargos, todos os tédios, todos os filhos, todos, todos os que vierem, sabes a lei... Por consequência o primo não tem mais que chegar, bater ao ferrolho , encontra-a asseada, fresca, apetitosa à custa do marido, e ... (...)
- Todos os primos raciocinam assim. Basílio é primo, logo ... sabes o silogismo , Sebastião! Sabes o silogismo, menino! - gritou, dando-lhe uma palmada na perna. (129-132)
Contexto interno
Contexto interno
Sebastião estivera uns dias na quinta e, regressado, a sua criada informa-o do que consta: um janota vinha todos os dias visitar a Luisinha. “A vizinhança já se punha a mexericar, a comentar! Estava-se a armar um escândalo! - E, assustado, decidiu-se logo a ir consultar Julião.” (129)
Contexto referencial
Contexto referencial
Honoré de Balzac (1799-1850) escreveu inúmeros romance que compôem a série romanesca Comédia Humana, retratando a sociedade francesa nas suas diversas facetas: cenas da vida política, cenas da vida militar, cenas da vida do campo, cenas da vida de província e cenas da vida parisiense.
Eugénia Grandet, protagonista do romance Eugénia Grandet, filha de um comerciante enriquecido e avarento, é cobiçada para nora pelas duas famílias importantes da cidade. Eugénia não sente atracção por nenhum dos pretendentes, mas, quando o seu primo Carlos, jovem dândi parisiense, chega à cidade, Eugénia apaixona-se. Empresta-lhe as suas economias para ele fazer fortuna na Índia e Carlos promete casar com ela logo que regresse. Passados cinco anos, Eugénia herda, por morte dos pais, uma abundante fortuna. Entretanto, Carlos enriquecera e casara com uma nobre.
Perspectivas
Indícios/Símbolos
Indícios/Símbolos
A montra da confeitaria simboliza a degradação dos costumes, da moral burguesa, e da própria Luísa (Petit, 1987). A montra apresenta-se como uma metonímia do Portugal decadente: um Portugal que tal como a lampreia de ovos, apodrece numa atitude de imobilismo e de autofagia.
O silogismo próprio dos "primos", no dizer de Julião, indicia o adultério.
Decadência
Decadência
Os produtos em decomposição na montra da confeitaria são uma metáfora da decadência dos valores morais da sociedade. Aliás, Julião tece uma divagação sintomaticamente decadente sobre as vantagens de ter uma amante casada.
Aparência/realidade
Aparência/realidade
Julião descreve um cenário sobre as vantagens de uma amante casada e daí retira um silogismo. A inquietação de Sebastião sobre o comportamento e a reputação de Luísa aumentam: será que a aparência é a realidade?
Intertextualidade
Intertextualidade
A intertextualidade é aqui usada de uma forma explícita, reflectindo a analogia, proposta por Julião, entre os amores de Eugénia Grandete Carlos e o namoro de Luísa com Basílio, designadamente a atracção que os dois dândis exercem sobre as duas jovens fascinadas pelas suas vivências parisienses.
Ironia
Ironia
O narrador retira um efeito irónico das falas de Julião ao sintetizar a lógica do sedutor num silogismo.
Romance de tese
Romance de tese
Partindo do princípio - "O riso é uma filosofia. Muitas vezes o riso é uma salvação." (Queirós, Uma Campanha Alegre, I: 15), o narrador revela preocupações moralistas ao desmontar, através do silogismo cómico, o mecanismo do comportamento do sedutor.