[Luísa] Contou-lhe a história da carta apanhada nos papéis, as dele roubadas, a cena no quarto... O que me resta é fugir. Aqui estou leva-me. Tu disseste que podias, tens-lo dito muitas vezes. Estou pronta. Trouxe aquele saco, com o necessário, lenços, luvas... hein?
Basílio com as mãos nos bolsos, fazendo tilintar o dinheiro e as chaves, seguia atónito os seus gestos, as suas palavras.
- Isso só a ti! - exclamou. - Que douda! Que mulher!
- E muito excitado: - Isso é lá questão de fugir! Que estás tu a falar em fugir? É uma questão de dinheiro. O que ela quer é dinheiro. É ver quanto quer, e pagar-se-lhe!
- Não, não! - fez Luísa. Não posso ficar! - Tinha uma aflição na voz. A mulher venderia a carta, mas conservava o segredo: a todo o tempo podia falar, Jorge saber: estava perdida, não tinha coragem de voltar para casa! [...] Se ele sabe, mata-me, Basílio! Sim, dize que sim! - Agarrara-se a ele, procurava avidamente com os seus olhos o consentimento dos dele.
Basílio desprendeu-se brandamente:
- Estás douda, Luísa, tu não estás em ti! Pode lá pensar-se em fugir? Era um escândalo atroz, éramos apanhados decerto, com a polícia, com os telégrafos! É impossível! Fugir é bom nos romances! E depois, minha filha, não é um caso para isso! É uma simples questão de dinheiro... (244)
Contexto interno
Contexto interno
Luísa, depois de Juliana lhe revelar que "nem todos os papéis foram para o lixo”, decide fugir com Basílio tanto mais que ele “tinha-lhe tantas vezes jurado que seriam tão felizes em Paris” (232).
Perspectivas
Decadência
Decadência
Luísa tendo-se tornado a "cortesã" de Basílio, sente-se neste momento abandonada pelo seu amante. A sua experiência da decadência acentua-se quando ele lhe propõe resolver a afronta de Juliana com uma quantia de dinheiro, não se preocupando com os sentimentos e a imagem de Luísa. Esta passa assim a ser uma verdadeira “mulher de prazer”, segundo a alternativa concebida por Proudhon e partilhada por Eça para o papel da mulher na sociedade ("cortesã" ou mãe de família).
Aparência/realidade
Aparência/realidade
Durante o período de sedução Basílio foi muito pródigo em promessas, mas face à proposta concreta de fuga considera-a idealista e impraticável. Pragmaticamente opta por uma solução meramente económica, descurando o estado psicológico em que ficaria Luísa - a humilhação perante a criada e o medo constante desta revelar o segredo.
Ordem/desordem
Ordem/desordem
Luísa depois de ter tomado consciência de que o seu adultério é do conhecimento de terceiros, passa a recear as consequências da desordem que introduziu no seu casamento, ou seja, uma atitude desvairada do marido traído. Luísa antevê a morte como a punição possível de Jorge.
Intertextualidade
Intertextualidade
Mais uma vez a referência aos romances como sinónimo de ilusão. Aí tudo se resolve com lances românticos que contrastam com a realidade.
Ironia
Ironia
A ironia resulta da excitada e impensada proposta de fuga de Luísa em contraste com a atitude calma e ponderada de Basílio.
A ironia irrompe também da duplicidade de Basílio, reagindo à ideia de fuga de modo distinto - quando era apenas uma hipótese romanesca e quando se torna uma obsessão premente para Luísa. Ironia ainda implícita na credulidade ingénua de Luísa.
Romance de tese
Romance de tese
O romance de tese tem sempre objectivos pedagógicos e profilácticos. A protagonista quando não obedece aos valores estabelecidos deve ser punida. O narrador ao pôr Basílio a não apoiar a fuga, está a desencadear o processo de punição de Luísa. A punição contribui para a aprendizagem de Luísa e do leitor.