Romance de tese naturalista

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O período naturalista foi marcado pelo desejo de redefinir as relações entre literatura e sociedade, no sentido dos leitores tomarem consciência de uma realidade que muitos não queriam ou não podiam ver (Chevrel, 1982). O escritor naturalista tem por função revelar as regras, os problemas, os comportamentos e o funcionamento inadequado da sociedade.

Um romance de tese tem sempre uma finalidade didáctica e normativa ao procurar demonstrar a validade de uma versão do mundo sedimentada numa doutrina política, social, filosófica, religiosa (Suleiman, 1983) - no caso, o positivismo, o socialismo utópico, o determinismo. É determinado por um fim específico, que existe antes e para além da história. O narrador é não só a fonte da história, mas também o intérprete do seu significado. O efeito persuasivo da história de aprendizagem passa por uma identificação virtual do leitor com o protagonista. A oposição aprendizagem positiva - aprendizagem negativa caracteriza a aprendizagem exemplar realizada no romance de tese. A aprendizagem positiva orienta o herói pelos valores propostos pela doutrina que fundamenta o romance. A aprendizagem negativa leva à punição do protagonista. O seu insucesso serve como lição e espera-se que o leitor perceba o percurso errado e não o deseje seguir.

J. Gaspar Simões (1980) refere que O Primo Basílio , enquanto romance de tese, estava dentro da arte revolucionária, que a Geração de 70 e Eça queriam promover, como um peixe na água. Embora Eça tenda a deixar de fora as condições económicas da vida social, em contrapartida evidencia os factores morais, psicológicos e educativos (Saraiva, 1982).

O "episódio doméstico" que constitui O Primo Basílio, restringe-se ao espaço social e geográfico da capital, como Eça menciona em carta a Rodrigues de Freitas, em 30 de Março de 1878, o qual se torna determinante para a própria construção das personagens:

"eu procurei que os meus personagens pensassem, decidissem, falassem e actuassem como puros lisboetas, educados entre o Cais do Sodré e o Alto da Estrela; não lhes daria nem a mesma mentalidade, nem a mesma acção se eles fossem do Porto ou Viseu; as individualidades morais variam de província a província - mas no meio lisboeta que escolhi, creio que elas são lógicas, exactamente derivadas e perfeitamente correspondentes” (Queirós, Correspondência, p.141)".

O ponto de vista omnisciente do narrador serve a óptica naturalista e a estratégia do romance de tese. A caracterização das personagens, sobretudo as principais, incide sobre a sua origem social, a sua educação, as características inculcadas pelo ambiente, ao serviço da tese social que o narrador pretende demonstrar. Embora neste romance o narrador, por vezes, permita a focalização interna, recorra ao monólogo interior, evidencie o universo onírico, estes aspectos não chegam a comprometer a predominância da estética naturalista.

Apesar de todas as preocupações de imparcialidade do narrador naturalista, há no romance inúmeras interferências da sua subjectividade ao nível do uso dos discursos valorativo, figurado, conotativo, abstracto, moralizante, e da ironia, que o narrador coloca ao serviço do romance de tese, visando influenciar o leitor no sentido de o levar a "ver verdadeiro", a aceitar a validade de uma certa visão do mundo.